terça-feira, 24 de julho de 2012

Estação Central - Parte II

-O que você vai querer comer, está com fome? – Perguntou Luis.
-Não, na verdade... Vou querer apenas um chá.
-Me diga uma coisa, como começou o incêndio?
-Não quero falar sobre isso!
-Perdoe-me a indelicadeza, eu fui um tolo, imagino que deve ser muito doloroso, você perdeu sua família... Desculpe.
-Tudo bem, a culpa não foi sua, já se passou duas semanas e a investigação ainda não sabe como aconteceu o incêndio, acho que dificilmente vão descobrir o motivo.
-Por quê? Você sabe como começou, desculpe-me, de novo me entrometen...
-Sim eu sei se é isso que quer saber!
-Acho que aqui não é o melhor lugar para conversarmos sobre este assunto, ainda mais com você tão nervosa, as pessoas estão olhando.
Alice olha a sua volta, todos a olham e sussurram, irritada ela se levanta e sai em direção ao vagão seguinte. Luis a segue. No outro vagão:
-Espere, eu não queria ofende-la, você... Você está chorando? Meu Deus, como posso me desculpar?
-Não quero que se desculpe, só preciso descansar, isso é muito recente pra mim, ainda não sei como lidar com toda essa confusão que a minha vida está.
-Eu compreendo, digo... Não toda a situação, mas que não deve ser fácil, ainda mais que você é tão jovem, tão cheia de vida e de sonhos, isso mata um ser humano por dentro, mas pense que sempre podemos ser felizes novamente, um dia você será feliz... Eu prometo.
Luis olhou no fundo dos olhos de Alice, ela por um instante se esqueceu de tudo que passara e acreditou nas palavras que aquele jovem rapaz lhe dizia, mas depois sua realidade invadiu os seus pensamentos:
-Gostaria que suas palavras fossem verdade, que eu pudesse ser feliz, que eu merecesse, mas não posso, a culpa é minha, minha família morreu por minha culpa, jamais poderei ser feliz novamente.
-Você está confusa agora, não foi sua culpa, foi um acidente... Não foi? Alice não foi um acidente?
Alice virou-se de costas para Luis, devagar caminhou até a janela e sentou-se, ele a acompanhou, ela quase que sem conseguir parar de soluçar começou a desabafar:
-Luis, você sabe que o vinhedo da minha família é muito conhecido...
-Sim, as melhores uvas, as melhores sementes, sempre ouvi dizer que as sementes são importadas.
-Sim, de tempos em tempos meu tio vem da Itália e traz as sementes para nós, grandes cargas valiosíssimas que temos o maior cuidado em armazenar.
-Sim entendo, mas o que isso tem haver com o incêndio?
-Este ano meu tio veio para passar uns dias a mais do que o de sempre, veio pra descansar, pois á anos ele só trabalhava, o coitado sempre deu muito duro pelos vinhedos aqui e na Itália, pois bem, este ano ao invés de vir sozinho, trouxe consigo meu primo, que eu não conhecia, ou conhecia não sei, meu pai disse que brincávamos juntos quando pequenos, mas quando meu tio foi morar na Itália nunca mais ele havia voltado. Na noite do incêndio, meu primo foi ao meu quarto e... Me...
-Acalmasse se não quiser não precisa dizer.
-Não eu preciso, não aguento mais guardar isso comigo.
-Seja o que for estará bem guardado comigo – disse Luis estendendo a mão a Alice.
Alice segurou a sua mão, soluçou e continuou.
-Meu primo me obrigou a ter relações com ele, contra a minha vontade, ele... Tirou a minha inocência. Quando terminou, disse que era pra guardar segredo daquela noite ou ele diria ao meu pai que eu havia me oferecido a ele. Ai ele teria que casar-se comigo para não ficar feio pra família.
-Que ódio! – Disse Luis irritado, Alice continuou:
-Do lado da minha cama, havia uma foto minha com minha irmã, ela tinha 16 anos. Eu percebi quando ele a desejou com os olhos, entendi naquele momento que ele faria o mesmo com ela.
Alice se vira para Luis.
-Entende que ele ia fazer o mesmo com ela? Eu precisava impedi-lo!
-Acalme-se eu sei, o que aconteceu depois?
-Eu o ataquei, com minhas mãos, ele pegou o castiçal bateu em mim com ele, só que a vela que estava no castiçal... Prendeu fogo nos lençóis, depois eu desmaiei. Só me lembro de que meu pai me tirou do quarto e me levou para fora, quando ele entrou para buscar os outros, o alicerce cedeu, o incêndio começou no meu quarto, foi minha culpa!
Alice se abraçou em Luis, desesperada, ele sem ação não sabia como conforta-la, era uma mistura de ódio do canalha que a havia violentado, com pena, indignação... Como ajudar alguém assim, como dar esperanças a um ser tão desiludido com o mundo?
-Alice o calhorda morreu no incêndio?
-Sim...
Luis respirou aliviado.
-Alice, não foi sua culpa, não se sinta assim, a culpa foi dele, ele que foi ao seu quarto, ele que derrubou a vela, a sua única culpa é ser tão linda. Não se sinta assim, sua dor já é enorme pela a sua perda, não se responsabilize, eu te imploro, ok?
-Será que um dia essa dor vai passar Luis?
Luis a abraçou mais forte.
-Não, ela vai diminuir, mas nunca sairá de dentro de você. Não posso mentir, mas agora você tem a mim – Luis segura o rosto de Alice, para que os seus olhos se cruzem – eu te prometo que nunca mais ninguém, mas ninguém vai te fazer mal, você sempre terá a mim, pode ter certeza.
-Obrigado Luis, é bom ter um amigo pra desabafar...
-Serei o que você precisar, quando precisar, eu te prometo. Agora vamos ao seu quarto, precisa descansar, te deixo lá e nos falamos pela manhã. – Ele limpa os olhos dela com as mãos. – Não chore mais, você tem olhos tão belos, mas não foram feitos para lágrimas de tristeza, somente para as de felicidade.
Alice sorriu. Algo estava acontecendo, algo que ela desconhecia, mas era muito forte, mais do que ela já havia experimentado.

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